Estou realmente encantado pelo fato de a santidade de Chesterton estar sendo reconhecida de modo oficial. No entanto, tenho algumas restrições quanto ao esforço de reconhece-lo um santo. Ele sempre foi amado por Cristãos Protestantes, e certamente por pessoas que não possuem uma crença religiosa. Temo que dando a ele o título de “Santo Gilberto” podemos limitar este encanto.
Este Blog é dedicado a Economia, sob os olhos da Escola de Salamanca e do Distributivismo. Veremos a Economia do ponto de vista do "ser humano permanente", como disse GK Chesterton se referindo aos personagens de Charles Dickens. Que São Maximiliano Kolbe, do Bloco 11, Cela 18 de Auschwitz, nos ilumine na continuação das doutrinas de Francisco de Vitória e Hilaire Belloc!
sexta-feira, 10 de julho de 2020
Chesterton, o Protestantismo e os Protestantes
Recentemente, eu li uma entrevista do padre Ian Boyd, publicada no site da Sociedade Chesterton Brasil. O padre Boyd é fundador e presidente do The G.K. Chesterton Institute for Faith & Culture. Quando foi lhe perguntado sobre processo de canonização de Chesterton, o padre Boyd deu a seguinte resposta:
Pareceu-me que Boyd não gostava muito da ideia de santificação de Chesterton, pois isso podia prejudicar e diminuir Chesterton para protestantes ou ateus.
Outro dia, eu fui convidado para uma entrevista pelo Dr. Ricardo Felício sobre geopolítica e teologia, que envolvia o Dr, Felício, eu, e o professor Syer Rodrigues. Na prévia da entrevista, Felício me disse que o professor Syer era presbiteriano e que queria ter o ponto de visão protestante sobre geopolítica. Eu respondi que isso era interessante. Expliquei que por vezes acho que o debate entre católicos pode envolver protestantes, quando se trata especialmente de questões mundanas, como era o caso. Mas que em alguns casos, quando o assunto era muito relacionado à doutrina católica, ficava complicado.
O debate ocorreu muito bem. Até agora foi visto por mais de 18 mil pessoas (o debate pode ser assistido clicando aqui).
Quando eu estava preparando meu livro sobre Guerra Justa, o livro tinha inicialmente o título Teoria e Tradição da Guerra Justa Católica. Mas meu editor pediu para eu tirar o adjetivo "católica" para não inibir a audiência. Eu aceitei, apesar de o livro não tratar da visão protestante sobre guerra, pois nem mesmo sei se existe visão protestante sobre guerra que seja reconhecida por todo o bloco protestante. E entendi que era uma questão mundana e além disso todos os cientistas políticos que tratam de guerra reconhecem que a teoria da guerra justa tem raiz católica. O livro foi publicado então com o título Teoria e Tradição da Guerra Justa.
Mas voltando para o caso Chesterton: devemos esconder o catolicismo dele de forma até a evitar a sua santificação com o intuito de não reduzir a audiência protestante ou ateia?
Eu acho que não, acho que não mesmo. Chesterton fez e faz um bem gigantesco à Igreja Católica e aos leigos católicos, os leva para o paraíso com humor e amor. Elevá-lo à santidade iria exaltar todo o amor que ele tinha pela Igreja, mesmo antes de se converter.
Chesterton foi "católico" mesmo quando era protestante. O primeiro livro que li de Chesterton foi o Ortodoxia e para mim era um livro católico, pois Chesterton exaltou por exemplo a idade Média, os mosteiros católicos e São Francisco de Assis no livro. Sem falar que Chesterton escreveu os livros do Padre Brwon antes de se converter. Eu não sabia que ele não era católico quando li o livro Ortodoxia de 1908. Ele só se converteu em 1922.
Recentemente, eu comprei o livro acima de Wojciech Golonka que seria chamado em português "O Protestantismo na Visão de G.K Chesterton".
Golonka é polonês, doutor em filosofia pela Universidade de Cracóvia, trabalhou como vice-reitor do Instituto São Pio X de Paris até 2014. Sua tese de doutorado foi sobre a filosofia de Chesterton e foi publicada em francês em 2016 (iamgem abaixo)
O livro de Golonka sobre a visão do protestantismo de Chesterton foi estimulado pela decisão do papa Francisco de "celebrar" a Reforma Protestante em 2017, quando a reforma fez 500 anos.
Certa vez, eu assisti a um vídeo de Dale Alhquist, que é presidente da Sociedade Chesterton dos Estados Unidos, no qual ele estava falando sobre como Chesterton via a educação e a economia. Após relatar toda a desgraça de nosso momento educacional e econômico no mundo, que destrói a família e a religião, Alhquist disse que Chesterton achava que essa destruição teve origem seminal justamente na Reforma Protestante.
Então, mesmo depois de já ter lido a "autobiografia" de Chesterton (que não pode ser chamada de autobiografia da forma tradicional), eu me interessei muito pelo livro de Golonka.
E o livro cumpriu fielmente seu objetivo de mostrar o que Chesterton pensava sobre protestantismo.
Logo no início, Golonka descreve como a crença religiosa de Chesterton mudou durante a sua vida.
Chesterton teve pais Anglicanos, foi batizado como Anglicano, depois ele se tornou Unitariano (crença que discorda da trindade cristã e vê Cristo não como Deus, mas apenas como inspirado por Deus), depois Chesterton, na juventude ainda, ficou meio ateu, modernista e agnóstico e até usou a tabuleiro Ouija (tabuleiro com nomes e números usado para sessões espirituais), em seguida, por influência de sua esposa, Chesterton se tornou Anglo-Católico (Anglicano da "alta Igreja" que procura se posicionar dentro da tradição católica). Chesterton se casou em 1901, só 21 anos depois ele se converteu ao catolicismo, sua esposa depois se converteu também.
Por que Chesterton demorou tanto para se converter ao catolicismo? O irmão dele que ele tanto amava se converteu 10 anos antes. Não tem como explicar isso, só Chesterton seria capaz, mas Golonka suspeita que o principal obstáculo foi o amor enorme que ele tinha pela esposa.
Mas como eu disse, tanto pelo seu viés "anglo-católico" como por seu pensamento ortodoxo, os escritos de Chesterton sempre me pareceram muito católicos, muito antes da conversão dele. Muitos que falam sobre isso lembram diversas passagens de Chesterton em seus livros e artigos anteriores a sua conversão.
Golonka descreve inúmeras passagens de livros de Chesterton no qual Chesterton fala sobre o protestantismo e sobre os protestantes, especialmente sobre Lutero, Calvino e John Knox, mas também representantes do puritanismo calvinista e um pouco sobre o metodista John Wesley.
Em especial, Golonka destaca dois livros de Chesterton para ver a posição dele sobre o protestantismo: "The Thing: Why I am Catholic" (1929) e "The Well and the Shallows" (1935)
Chesterton considerava que uma heresia (erro teológico/filosófico) era pior que um crime físico, pelo caráter amplo e destruidor das almas que a heresia traz.
Chesterton disse que o "protestantismo representa o naufrágio da cristandade". Ele relacionou o protestantismo com a morte da alegria, com o espírito destruidor tanto do capitalismo como do comunismo, com a morte da família (protestantismo era ávido para trazer rigidez á soberania de Deus na vida das pessoas, mas era louco pela aprovação do divórcio e da contracepção), com o pacifismo hippie, com o prussianismo militarista alemão e sua má influência na Inglaterra, com o desequilíbrio da fé e da razão, com perda da noção mística de que as ideias místicas estão conectadas e não podem andar separadas na salvação humana, com a destruição da ideia da divindade da criação do ser humano, com o fim da liga de nações que o catolicismo trazia, com a contradição em si, dado a permanente mutabilidade do protestantismo entre suas várias seitas que faz com que aceitem agnósticos e ateus.
Chesterton parece desprezar o pensamento e mesmo a vida de Lutero, pois não se aprofunda na análise de luteranismo. Lutero, para Chesterton, é um bárbaro que é exatamente o oposto do que deve ser defendido para o que o ser humano seja. Chesterton foca sua artilharia mais especialmente em Calvino e no puritanismo que provém do calvinismo. Calvino foi a consequência lógica do erro de Lutero e aprofundou o erro ao ponto de abandonar parte da humanidade, os não eleitos. Chesterton disse que o calvinismo "é o mais anti-cristão dos sistemas cristãos". Chesterton chega a colocar o calvinismo e o islamismo lado a lado em suas análises, apesar de suas diferenças que ele também nota. Calvinismo trouxe a onipotência de Deus junto com a impotência do homem. O puritanismo calvinista merece ainda mais críticas de Chesterton. Ele também reconhece que seitas que surgiram do calvinismo, como o metodismo, aliviaram a questão da predestinação, mas também aumentaram o erro do puritanismo. Hoje boa parte do protestantismo, mesmo de fonte calvinista, ao invés de falar que há alguns eleitos fala que todo mundo vai ser salvo.
Chesterton disse que as seitas protestantes melhoram à medida que são mais católicas. Um verdadeira união só é possível dentro do catolicismo, quando os protestantes voltarem para casa e pararem de "protestar". Chesterton reafirma que as críticas saudáveis que se fazia aos clérigos da Igreja Católica já eram feitas pelos santos da Igreja, não precisava protestar do lado de fora. O protestantismo foi um erro, os protestantes fazem "virtues gone mad" (virtudes enlouquecidas)
Vamos exaltar Chesterton como ele foi, sem esconder nada. Nem seus defeitos, nem suas qualidades. Nenhum santo foi um ser humano perfeito, só foram bem melhor que a gente.
Finalmente, não faz nenhum sentido, nem teológico, nem histórico, nem pastoral, para um católico, leigo ou clérigo, celebrar a Reforma Protestante. Para os católicos, em poucas palavras, ela atraiu muita gente para o Inferno e além de ter tido um impacto seminal gigantesco perverso na história da humanidade, como disse Chesterton.
Mas faz todo o sentido um católico exaltar o catolicismo de Chesterton.
Uma passagem de Chesterton que é muito comum de ser mostrada é a que vai abaixo e foi escrita por Chesterton muito antes dele se converter:
"Estou firmemente convencido de que a Reforma Protestante do século XVI foi tão próxima quanto qualquer coisa mortal pode chegar ao mal puro.
Mesmo as partes da Reforma que podem parecer plausíveis e iluminadas do ponto de vista puramente secular se tornaram podres e reacionárias, também do ponto de vista puramente secular.
Ao substituir o sacramento pela Bíblia, a Reforma criou uma casta pedante daqueles que sabiam ler, identificados supersticiosamente com aqueles que pensavam.
Ao destruir os monges, a Reforma tomou o serviço social dos pobres filantropos que escolheram negar a si mesmos e o deu aos ricos filantropos que escolheram se afirmar.
Pregando o individualismo, preservando a desigualdade, a Reforma produziu o capitalismo moderno.
A Reforma destruiu a única liga de nações que já teve uma chance. Produziu as piores guerras de nações que já existiram. Produziu a forma mais eficiente de protestantismo, que era a Prússia. E está produzindo a pior parte do paganismo, que é a escravidão"