quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Debate entre Chesterton e Milton Friedman sobre Liberdade e Arte


No Brasil, uma coisa que me atormenta é ver que os jovens que se dizem de direita e fundam novos partidos, em geral, são de direita apenas para fatores econômicos, esquecem que isso não é ser conservador (ou de direita em termos sociais). Eu me afasto naturalmente desses partidos, mesmo sendo um economista com graduação e mestrado.

Outro dia, eu estava debatendo com um amigo, ex-professor meu, que trabalha no Banco Mundial e eu criticava a teoria do vencedor do Prêmio Nobel de Economia desse ano, teoria do "nudge". Eu disse que a ideia de "nudge" é esquerdista que distorceu o real significado da "racionalidade limitada". O meu amigo retrucou que o vencedor do Prêmio Nobel tinha trabalhado para o "partido conservador" britânico. Eu simplesmente respondi: "meu caro, o partido conservador britânico não é conservador, esse partido apoia aborto, casamento gay, imigração muçulmana, eutanásia, é contra a pena de morte, é a favor do controle de armas...tudo que um partido de esquerda defende."

Por isso, achei muito legal ler sobre um diálogo entre Chesterton e Friedman. Acho que o melhor autor para mostrar o que é realmente ser conservador, de direita, é Chesterton, e não Friedman.

Que diálogo?, você perguntaria.

Outro dia, eu li parte de um livro que é um diálogo entre C.S.Lewis (conhecido no Brasil pelos Contos de Nárnia), Aldous Huxley (autor de Admirável Mundo Novo) e John Kennedy (ex-presidente dos Estados Unidos). O livro é do grande Peter Kreeft que usa o fato de Lewis, Huxley e Kennedy terem morrido no mesmo dia (22 de novembro de 1963) para imaginar um diálogo entre eles no purgatório. O livro se chama Between Heaven and Hell.

No Brasil, quem costuma usar esse método, imaginar conversas entre mortos famosos, é Elio Gaspari, com relativo sucesso.

Mas ontem, o site Aleteia publicou um artigo de John M. Howting III, no qual ele faz um diálogo entre Chesterton e Milton Friedman sobre a liberdade e arte, usando o livro Robinson Crusoé (livro de Daniel Defoe).

Esse diálogo é mais fiel aos autores porque não é uma imaginação de uma conversa entre mortos, é um diálogo usando frases de livros de Chesterton e Friedman.

Para entender o diálogo é precisa saber que Friedman é o patrono do livre mercado e que Chesterton é o patrono da inteligência, do uso do paradoxo e da ironia para iluminar a razão humana e o cristianismo. Por exemplo, quando Chesterton fala que Crusoé faria a "radical e desesperada opção de educar seus próprios filhos", ele está defendendo que os pais eduquem seus próprios filhos. Friedman não usa paradoxos.

Deve-se saber também que não é fácil construir o diálogo sobre um tópico usando os livros, por vezes ficam dúvidas ou pontas soltas. Mas acho que John Howting III mostrou muito bem a aversão que Chesterton tinha aos consumismo e à liberdade baseada em quantidade de coisas disponíveis, que Friedman defendia.

Traduzo o diálogo abaixo:

Milton Friedman: Liberdade não é um valor individual é um valor social. Para Robinson Crusoé na ilha o conceito de liberdade não significa nada para ele.

Chesterton: Robinson Crusoé deve toda a sua vivacidade para o fato dele celebrar a poesia dos limites, celebrar até o selvagem romance da prudência . Crusoé é um homem em uma pequena rocha com poucos confortos: a melhor coisa do livro é simplesmente a lista de coisas que sobraram do naufrágio.

Friedman: Me perdoe, mas não há muito que Crusoé possa fazer naquela ilha. Ele certamente faria mais em Manhattan ou Los Angeles, onde a mão invisível do mercado está funcionando. Se Crusoé tivesse que mandar seus filhos para a escola? A ilha teria várias opções de escolas?

Chesterton: Alguém poderia supor que ele faria uma coisa muito radical e desesperada de educar seus próprios filhos.

Friedman: E se Crusoé quisesse se alimentar? Pense em todas as opções que ele tem em Manhattan. Ele tem escolhas na civilização. Se eles quiser comer na ilha ele tem de fazer sua própria comida e terá poucos instrumentos para cozinhar. Na ilha, Crusoé não tem escolhas, tem inventário do que sobrou do naufrágio.

Chesterton:  O maior de todos os poemas é um inventário. Todas as ferramentas da cozinha se tornam ideais porque Crusoé poderia tê-las perdido no mar.

Friedman: Nós temos mais escolhas e liberdade do que Crusoé. Ele mora em uma ilha, e nós, não, ainda bem.

Chesterton: Eu realmente sinto que tudo que está em ordem é o que sobrou do navio de Crusoé. O fato de haver apenas dois sexos e um sol é como tivessem sobrado apenas duas armas e um machado. É urgente e necessário que nada fosse perdido e é engraçado que nada poderia ser adicionado.

Friedman: Seria melhor e divertido se mais pudesse ser adicionado. Crescer é bom. Nós queremos invenções e inovações. Liberdade significa escolhas. Nosso objetivo não é apenas trabalho mas trabalho produtivo. Um consumidor com muitas escolhas está verdadeiramente livre. Escolha é a essência da liberdade. Limitação é o contrário de liberdade.

Chesterton: Limitação e liberdade andam juntas e não separadas.

Friedman: Você se sente livre com as limitações que são impostas em você? Se eu fosse um monarca absoluto e eu digo "não faça isso"..."Não diga isso" eu faria você mais livre?

Chesterton: Veja, a ideia de "você não deve fazer" é um corolário necessário de "Eu posso". Anarquistas nos dizem que sejamos criativos, sem limites. Mas é impossível ser um artista e não se importar com leis e limites. Arte é limite: a essência de toda as fotos é o quadro.

Friedman: Eu certamente não sou um anarquista. Eu nunca serei. Entretanto, uma vez que você trouxe o assunto da arte, eu não imporia limites nos artistas.

Chesterton: A própria arte impõe limites nos artistas. "Se você desenhar uma girafa, você deve desenhá-la com um pescoço longo. Se você, de sua maneira criativa e ousada, se livrar de desenhar uma girafa com um pescoço curto, você realmente descobrirá que não é livre para desenhar uma girafa. No momento em que você entra no mundo dos fatos, você entra num mundo de limites. Você pode libertar coisas de leis estranhas ou acidentais, mas não das leis de sua própria natureza. Você pode, se quiser, libertar um tigre de seus grades; mas não o liberte das suas listras. Não libere um camelo do fardo de sua corcunda: você pode estar liberando-o de um camelo.

Friedman: Deixando a arte de lado. Nós estamos aqui para discutir o sistema que desekamos. Acho que nós dois concordamos que não se estabelecer leis que suprimam a liberdade artística. A natureza da expressão artística é um tópico completamente diferente.

Chesterton: Arte, assim como a moral, consite em estabelecer a linha (o limite) em algum lugar.

Friedman: Moralidade é uma coisa individual não é uma coisa coletiva.

Chesterton: Mas o coletivo é determinado pela moral.

Friedman: Não entendi bem o que você quer dizer:

Chesterton: É o que senti depois de ler Robinson Crusoé. As árvores e os planetas pareciam coisas salvas do naufrágio ... Eu me senti econômico sobre as estrelas como se fossem safiras. Pois o universo é uma joia única. Este cosmos é de fato sem par e sem preço justamente porque não pode haver outro.

Friedman: Você tem uma concepção particular do universo. É uma teoria particular que não a mesma da coletividade.

Chesterton: Os indivíduos são mantidos por um universo. Existe claramente uma ordem para o universo. Se tal ordem de coisas não existisse, dificilmente seria um universo, mas um verso múltiplo. Abandonar esta ordem seria desobedecer a ordem. A ordem na criação só pode vir de um criador. Você não acha que devemos seguir seu pedido? Se o autor da existência deu uma ordem? Quando eu era jovem, o mais que eu pensava em Crusoé mais eu sentia que nós devíamos obediência àquele que nos. E, por último, e mais estranho, surgiu uma impressão vaga e vasta de que, de certo modo, tudo bem havia um remanescente para ser guardado e sagrado de alguma ruína primordial. O homem salvou seus bens assim como Crusoé salvou seus bens: ele os salvou de um naufrágio.


5 comentários:

  1. "Mas é impossível ser um artista e não se importar com leis e limites. Arte é limite: a essência de toda as fotos é o quadro". Muito oportuno neste momento brasileiro onde tudo é arte, e a discordância do intolerável, chamam-na de censura.
    Pedro, você já leu o livro: Sócrates encontra Marx do Peter Kreeft? Se sim, o que achou?
    Abraço

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  2. Excelente texto para o momento que vivemos, onde qualquer absurdo é considerado arte.
    Pedro, você já leu o livro: Sócrates encontra Marx do Peter Kreeft? Se sim, o que achou?

    Abraço

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    1. Li não, meu amigo. Tenho certeza, no entanto, que vale à pena ler, pois é do Peter kreeft.

      Abraço,
      Pedro

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  3. Olá Pedro, você estará mesmo em Oxford dia 05/11?
    Irá a livraria?
    Abraço
    Olivia

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