sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Teoria do Caos, Filosofia (Erística) e Racionalidade Limitada para Tratar de Comércio Exterior


Caríssimos, para a minha felicidade, ontem foi publicado meu livro "Perspectivas do Comércio Exterior do Brasil em um Mundo Caótico e sem Vantagem Comparativa".

Vou contar aqui um pouco da história desse meu "filho".

A Editora Prismas me convidou para ser Diretor Científico de publicações sobre o Comércio Exterior no ano passado. Aceitei a função, coordenei a publicação de uma coletânea de artigos de vários renomados autores e resolvi também fazer minha colaboração para o tema.

A coletânea de artigos será publicada em breve.

O meu livro foi publicado antes.

Eu costumo ser professor de gestão de negócios internacionais e nunca gostei muito da abordagem de livros sobre comércio exterior, são repetitivos e filosoficamente simples demais para o meu gosto.

Eu sempre achei que as perspectivas de comércio exterior desses livros são muito falhas pois não mostram as bases filosóficas deles em um mundo que é cada vez mais um caos e sofista. E sempre achei que a formação dos economistas é muito ruim.

Minha tese de doutorado de 2006 foi sobre "racionalidade limitada", teoria que recebeu outro Prêmio Nobel esse ano.

Resolvi expor como eu acho que deve ser analisado as perspectivas de comércio exterior do Brasil, agregando "teoria do caos", "racionalidade limitada" e  "erística" (sofismo ou falácias usadas para vencer um debate sem necessariamente ter razão).

Apesar de ser um livro técnico, Chesterton dá a epígrafe do livro e Padre Antonio Vieira e Santo Agostinho agregam valores especiais ao texto.

Acho que ficou muito interessante.

Espero que gostem, o livro está disponível para compra no site da Editora e estará em breve em outras livrarias.

Abaixo vai o Sumário do livro e um pouco da Introdução












Capítulo 4- Conclusões


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Introdução:

O ano de 2017 marca o bicentenário do livro Princípios de Economia Política e Tributação[1], de David Ricardo. A doutrina da vantagem comparativa que é base teórica e até filosófica do livre comércio tem fonte seminal nesse livro. Essa doutrina também fundamenta a Organização Mundial do Comércio (OMC) na sua busca por abertura comercial. A vantagem comparativa advoga que o comércio é benéfico para os dois lados, mesmo que uma das partes seja melhor na produção de todos os bens. Foi elaborada pelo economista David Ricardo, no capítulo 7, parágrafo 16, do seu livro, tratando das produções de vinho e tecidos em Portugal, em seu comércio com a Inglaterra.
Ricardo argumentou que Portugal deveria se concentrar na produção de vinhos, mesmo produzindo tanto vinho como tecidos com  menos mão de obra do que os ingleses. Pois Portugal tinha, usando um termo só definido posteriormente, menor “custo de oportunidade” na produção de vinho do que na produção de tecidos. Dessa forma, por trás da ideia de vantagem comparativa está a lógica do “custo de oportunidade”, que, por sua vez, é um benefício que é abdicado em favor de outro.
O “custo de oportunidade” considera que o benefício e o custo de uma ação devem ser medidos pelo o que se deixou de fazer, o que demanda uma análise ampla de todas as oportunidades disponíveis.
Por isso, faltou a Ricardo analisar, por exemplo, se Portugal só tinha disponível vinho e tecidos para produzir, se apenas o custo de mão de obra para analisar, se só a Inglaterra como parceiro comercial, e se, da mesma forma, a Inglaterra não poderia aprimorar seus métodos de produção e o uso da terra. Sem falar que a troca comercial entre Portugal e Inglaterra é dependente do momento e da questão tecnológica. David Ricardo deixou claro que baseia sua análise apenas no custo do trabalho. e também se sabe que no modelo de crescimento econômico dele não há progresso tecnológico. Ricardo aceitou, por sinal, a teoria populacional de Thomas Malthus.
 Apesar de o “custo de oportunidade” ter aplicação muito mais ampla e fundamentar a própria lógica de vantagem comparativa, a OMC argumenta que se pode dizer que a ideia de vantagem comparativa é “a mais poderosa ideia da teoria econômica”[2].
Em todo caso,  é preciso  saber se a doutrina da vantagem comparativa ainda tem sentido, em um mundo com i) baixíssimos custos de transporte e de comunicação; ii) avançada tecnologia de produção, que adota robotização na produção em diversos setores; iii) alta especialização da produção; iv) possibilidade ampla de realizar toda a produção no exterior; e v) força das multinacionais. A própria OMC reconhece que os países estão ficando similares e assim as vantagens comparativas dos países estão sendo eliminadas[3].
A importância do fundamento das vantagens comparativas depende de fatores que não são fatores econômicos, são questões ideológicas que determinarão o futuro das vantagens comparativas. Para onde o mundo está caminhando para uma ampliação da globalização ou para o reforço do nacionalismo? Até bem pouco tempo atrás, eram políticos de vertente esquerdista que atacavam a globalização e defendiam a produção nacional, mas agora políticos de direita se juntam para atacar o que chamam de “globalismo”. Na campanha presidencial dos Estados Unidos, era Hillary Clinton que apoiava os acordos internacionais de livre comércio, enquanto Trump denunciava o impacto perverso desses acordos nos empregos dos americanos. No Brasil, sempre se disse que presidentes republicanos, como Trump, eram bons para o comércio brasileiro por defenderem o livre comércio ideologicamente, enquanto presidentes democratas, como Obama, prejudicavam as exportações do país por insistirem na produção doméstica, por conta da ideologia nacionalista.  No caso de Obama com o Brasil, a relação do ex-presidente com o país não foram boas, nem mesmo politicamente, apesar da admiração acentuada dos jornalistas brasileiros por ele. Fato reconhecido pela própria administração Obama[4]. Trump promete uma visão mais nacionalista, então a expectativa em geral não é boa para o Brasil, mas há nuances que o Brasil pode aproveitar. Discuto isso no Capítulo 3.
Deve-se considerar também que no arcabouço institucional dos Estados Unidos, o Congresso americano tem muito poder, incluindo sobre políticas comerciais. Um presidente deve saber negociar com o Congresso, especialmente quando é dominado pelo partido opositor. Obama foi considerado o pior presidente da história dos Estados Unidos em termos da sua capacidade de passar leis com apoio do Congresso[5]. Assim como Obama, Trump inicia seu governo com seu partido dominando tanto a Câmara como o Senado, vamos ver se consegue se sair melhor que seu antecessor. Não é difícil, uma vez que Obama, em oito anos, aprovou menos leis que Jimmy Carter, que teve apenas quatro anos de governo.
A China, o mais importante parceiro comercial do Brasil, não tem esse problema típico da democracia, de conflito entre poder executivo e poder legislativo. Não se pode nem questionar as decisões econômicas, políticas e sociais do partido único da China. Nem mesmo os dados econômicos. O  partido único na China está presente desde o ventre da mãe chinesa até o carro chinês exportado.
No Brasil, o presidente tem mais força e em geral tem apoio da maioria do Congresso. Mas em se tratando do que os políticos brasileiros pensam sobre comércio exterior, não há diferenças ideológicas acentuadas entre os partidos políticos. Em termos de comércio exterior, os partidos políticos brasileiros defendem certo nacionalismo na produção. Não há defesa da globalização entre os principais líderes políticos no Brasil e nunca houve de forma significativa um político brasileiro defendendo a abertura comercial como benéfica para o país. Governos brasileiros, em geral, de todas as nuances ideológicas, falam em aumentar a produtividade brasileira, e chegam até a reconhecer as importações como importante fator para isso, mas não passam muito do discurso. Normalmente,  no Brasil espera-se benesses do comércio exterior, sem que o país faça a sua parte para alavancar o comércio global. E os partidos políticos brasileiros são muito idênticos, não só em questões econômicas, o que é ruim para  a democracia.
Hoje em dia as vozes contra a globalização estão dos dois lados do espectro político em boa parte dos países. No mundo acadêmico, a defesa da globalização ficou restrita a defensores do livre comércio que seguramente são uma minoria nas universidades do mundo. E aqueles que atacam a globalização falam não só em questões econômicas, mas também em questões sociais, por conta do avanço de organizações como a Organizações das Nações Unidas (ONU) e União Europeia na legislação dos países, procurando aprovar medidas de forma global que têm amplo impacto cultural, social e até religioso. Mesmo organizações que foram formadas estritamente para lidar com questões econômicas, como o grupo de países G20, estão com uma agenda social ampla, que por vezes atrapalham ou atrasam as negociações comerciais.
Não quero dizer com isso que as negociações comerciais sejam mais importantes do que a agenda social. Eu defendo justamente o contrário, mas não estou certo de que todas as questões sociais sejam mais bem resolvidas globalmente do que localmente. Também não defendo que questões econômicas se isolem de questões sociais, aqui argumento também justamente pelo o contrário. Mas se é para tratar de questões sociais dentro de questões econômicas a formação dos debatedores deve ser diferente.
Como é possível prever o comércio exterior nessas circunstâncias de fraqueza das vantagens comparativas e críticas generalizadas à globalização?
Chamado no Brasil de Paiaçu (grande pai), o filósofo, religioso, escritor e diplomata português Padre Antonio Vieira, em seu livro História do Futuro, disse que o homem, sendo filho do tempo, do presente sabe pouco, do passado menos e do futuro nada[6]. Essa percepção de Vieira já deveria servir de alerta para todos que analisam o futuro em análises de perspectivas, sejam com base nas informações do presente ou nas do passado. Aqui tratamos das perspectivas do comércio exterior do Brasil tentando lembrar a humildade exigida por Vieira.
É fato reconhecido que economistas e organizações internacionais têm péssima reputação em matéria de previsão econômica, especialmente quando se pensa em termos de crise econômica. Em relação à crise econômica de 2008, por exemplo, conta-se nos dedos das mãos os economistas que a previram[7]. Tempos de desordem e caos econômico são períodos em que a análise econômica tende a errar mais, e, paradoxalmente, são nesses períodos que economistas e organizações econômicas são mais necessárias e relevantes. Mas, mesmo em tempos de calmaria, não confie muito em um economista sobre, por exemplo, qual será a taxa de câmbio de final de ano ou qual companhia será mais valorizada nas bolsas de valores. Se ele for do governo certamente será limitado por questões políticas, se ele for de banco será limitado pelo portfólio de investimentos do banco.
Loungani[8], economista do Fundo Monetário Internacional (FMI), tratou da capacidade preditiva dos economistas. E relatou que apenas 2 das 60 recessões que ocorreram no mundo desde os anos 90 foram previstas. E que dois meses antes de cada recessão começar, 25% das previsões ainda eram de crescimento econômico para o país em questão. Além disso, as previsões eram mais otimistas do que a recessão em 50 dos 60 casos. Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve, disse em agosto de 2000, um mês antes da recessão econômica provocada pela “bolha tecnológica”, que aqueles que acham que os Estados Unidos estavam com perda de dinamismo econômico verão que estão errados. Após a crise de 2008, Ahir e Loungani[9] também discutiram a capacidade de previsão dos economistas. Eles consideraram 77 países, dos quais 49 estavam em recessão em 2009. Quantos economistas de três importantes fontes (Consensus Economics, FMI e OECD) em 2008 previram que esses 49 países estariam em recessão em 2009, segundo esses autores? Resposta: nenhum.
Em 2013, Greenspan, reconheceu que ele sempre foi muito mais matemático do que psicólogo, mas que usando matemática e modelos econométricos, mesmo os mais avançados, não se consegue prever de forma adequada as variáveis econômicas. Para ele dever-se-ia incorporar fatores psicológicos, como euforia, irracionalidade, instintos, medos e emoções[10].  Em 2014, escrevendo para a revista Foreign Affairs, Greenspan novamente pôs a culpa na irracionalidade para explicar a falta de poder de previsibilidade dos modelos econômicos[11].
Essa irracionalidade não é apenas de investidores, mas dos próprios economistas e políticos. Por exemplo, o Brasil viu de perto a volatilidade irracional das previsões dos economistas, em pequeno espaço de tempo. De 2009 até 2012, o mundo econômico e político achava que países como Brasil e China seriam os novos líderes da economia global. Eu mesmo tive a oportunidade de participar  de reuniões do G20, uma organização global que reúne as maiores economias do mundo, em 2008, e o que se falava repetidamente é que havia um “descolamento” de Brasil e China da grande crise financeira que o mundo desenvolvido atravessava. A partir de 2013, o Brasil entrou em decadência nas considerações dos analistas, até ser o patinho feio, apresentando o pior crescimento econômico entre as principais economias globais entre 2014 e 2016. A China também sofre com queda do crescimento e elevado endividamento. Se é assim, em tão pouco tempo, como se pode prever um futuro mais longínquo?
Temos ainda o velho problema da falta de confiança nas informações econômicas que vêm da China. Por vezes, os próprios estatísticos do governo chinês admitem que alguns dados econômicos são fraudulentos e falsificados[12].  Em 2015, pesquisa mostrou que 96% dos economistas dos Estados Unidos não confiam nos dados do PIB chinês[13]. Em 2017, uma província chinesa admitiu criar números para que seus administradores aparecessem bem na foto, melhorando os dados fiscais em 20%, por exemplo[14]. O próprio Li Keqiang, primeiro-ministro da China, admitiu que o PIB da China é manipulado e assim não é confiável[15].
Em geral, as justificativas para erros de previsão são de que os economistas e organizações não consideram fatores relevantes ou riscos relacionados em suas análises. Acho, no entanto, que é importante inicialmente considerar restrições burocráticas, justificativas que não são filosóficas, ideológicas ou sistêmicas, para os erros de previsão dos economistas. Quatro justificativas burocráticas podem ser relacionadas a quatro tipos de economistas, diferenciados pela instituição em que trabalham:
a)      Economistas de organizações econômicas internacionais sofrem o peso político dessas organizações, e não têm tanta liberdade para estabelecer suas previsões. Afinal, quem financia e controla essas instituições, como FMI, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Conferência das Nações Unidas para o Comércio (UNCTAD), são os próprios países;
b)      Economistas de órgãos públicos além de sofrerem o peso político dos líderes em voga, também tendem a considerar que o Estado têm muitas ferramentas para evitar uma recessão. Essa visão também muitas vezes é compartilhada por economistas do mercado, que em geral consideram, por exemplo, que os governos chinês ou norte-americano sempre conseguem evitar recessões.
c)      Economistas de instituições financeiras ou de agências de risco sofrem o peso das aplicações financeiras de suas instituições. Elas têm dinheiro alocado para determinado futuro.
d)     Economistas de universidades sofrem pela falta de experiência no mercado e em governos.

Além dessas justificativas práticas, temos falhas da modelagem econômica, que i) ou não consideram variáveis relevantes, que por vezes não são passíveis de serem calculadas; ii) ou reproduzem demais o passado; iii) ou não consideram o recorrente relacionamento corrupto entre Estado e mercado; iv) ou determinam previsões distorcidas  pela ideologia política e cultural de quem modela.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Debate entre Chesterton e Milton Friedman sobre Liberdade e Arte


No Brasil, uma coisa que me atormenta é ver que os jovens que se dizem de direita e fundam novos partidos, em geral, são de direita apenas para fatores econômicos, esquecem que isso não é ser conservador (ou de direita em termos sociais). Eu me afasto naturalmente desses partidos, mesmo sendo um economista com graduação e mestrado.

Outro dia, eu estava debatendo com um amigo, ex-professor meu, que trabalha no Banco Mundial e eu criticava a teoria do vencedor do Prêmio Nobel de Economia desse ano, teoria do "nudge". Eu disse que a ideia de "nudge" é esquerdista que distorceu o real significado da "racionalidade limitada". O meu amigo retrucou que o vencedor do Prêmio Nobel tinha trabalhado para o "partido conservador" britânico. Eu simplesmente respondi: "meu caro, o partido conservador britânico não é conservador, esse partido apoia aborto, casamento gay, imigração muçulmana, eutanásia, é contra a pena de morte, é a favor do controle de armas...tudo que um partido de esquerda defende."

Por isso, achei muito legal ler sobre um diálogo entre Chesterton e Friedman. Acho que o melhor autor para mostrar o que é realmente ser conservador, de direita, é Chesterton, e não Friedman.

Que diálogo?, você perguntaria.

Outro dia, eu li parte de um livro que é um diálogo entre C.S.Lewis (conhecido no Brasil pelos Contos de Nárnia), Aldous Huxley (autor de Admirável Mundo Novo) e John Kennedy (ex-presidente dos Estados Unidos). O livro é do grande Peter Kreeft que usa o fato de Lewis, Huxley e Kennedy terem morrido no mesmo dia (22 de novembro de 1963) para imaginar um diálogo entre eles no purgatório. O livro se chama Between Heaven and Hell.

No Brasil, quem costuma usar esse método, imaginar conversas entre mortos famosos, é Elio Gaspari, com relativo sucesso.

Mas ontem, o site Aleteia publicou um artigo de John M. Howting III, no qual ele faz um diálogo entre Chesterton e Milton Friedman sobre a liberdade e arte, usando o livro Robinson Crusoé (livro de Daniel Defoe).

Esse diálogo é mais fiel aos autores porque não é uma imaginação de uma conversa entre mortos, é um diálogo usando frases de livros de Chesterton e Friedman.

Para entender o diálogo é precisa saber que Friedman é o patrono do livre mercado e que Chesterton é o patrono da inteligência, do uso do paradoxo e da ironia para iluminar a razão humana e o cristianismo. Por exemplo, quando Chesterton fala que Crusoé faria a "radical e desesperada opção de educar seus próprios filhos", ele está defendendo que os pais eduquem seus próprios filhos. Friedman não usa paradoxos.

Deve-se saber também que não é fácil construir o diálogo sobre um tópico usando os livros, por vezes ficam dúvidas ou pontas soltas. Mas acho que John Howting III mostrou muito bem a aversão que Chesterton tinha aos consumismo e à liberdade baseada em quantidade de coisas disponíveis, que Friedman defendia.

Traduzo o diálogo abaixo:

Milton Friedman: Liberdade não é um valor individual é um valor social. Para Robinson Crusoé na ilha o conceito de liberdade não significa nada para ele.

Chesterton: Robinson Crusoé deve toda a sua vivacidade para o fato dele celebrar a poesia dos limites, celebrar até o selvagem romance da prudência . Crusoé é um homem em uma pequena rocha com poucos confortos: a melhor coisa do livro é simplesmente a lista de coisas que sobraram do naufrágio.

Friedman: Me perdoe, mas não há muito que Crusoé possa fazer naquela ilha. Ele certamente faria mais em Manhattan ou Los Angeles, onde a mão invisível do mercado está funcionando. Se Crusoé tivesse que mandar seus filhos para a escola? A ilha teria várias opções de escolas?

Chesterton: Alguém poderia supor que ele faria uma coisa muito radical e desesperada de educar seus próprios filhos.

Friedman: E se Crusoé quisesse se alimentar? Pense em todas as opções que ele tem em Manhattan. Ele tem escolhas na civilização. Se eles quiser comer na ilha ele tem de fazer sua própria comida e terá poucos instrumentos para cozinhar. Na ilha, Crusoé não tem escolhas, tem inventário do que sobrou do naufrágio.

Chesterton:  O maior de todos os poemas é um inventário. Todas as ferramentas da cozinha se tornam ideais porque Crusoé poderia tê-las perdido no mar.

Friedman: Nós temos mais escolhas e liberdade do que Crusoé. Ele mora em uma ilha, e nós, não, ainda bem.

Chesterton: Eu realmente sinto que tudo que está em ordem é o que sobrou do navio de Crusoé. O fato de haver apenas dois sexos e um sol é como tivessem sobrado apenas duas armas e um machado. É urgente e necessário que nada fosse perdido e é engraçado que nada poderia ser adicionado.

Friedman: Seria melhor e divertido se mais pudesse ser adicionado. Crescer é bom. Nós queremos invenções e inovações. Liberdade significa escolhas. Nosso objetivo não é apenas trabalho mas trabalho produtivo. Um consumidor com muitas escolhas está verdadeiramente livre. Escolha é a essência da liberdade. Limitação é o contrário de liberdade.

Chesterton: Limitação e liberdade andam juntas e não separadas.

Friedman: Você se sente livre com as limitações que são impostas em você? Se eu fosse um monarca absoluto e eu digo "não faça isso"..."Não diga isso" eu faria você mais livre?

Chesterton: Veja, a ideia de "você não deve fazer" é um corolário necessário de "Eu posso". Anarquistas nos dizem que sejamos criativos, sem limites. Mas é impossível ser um artista e não se importar com leis e limites. Arte é limite: a essência de toda as fotos é o quadro.

Friedman: Eu certamente não sou um anarquista. Eu nunca serei. Entretanto, uma vez que você trouxe o assunto da arte, eu não imporia limites nos artistas.

Chesterton: A própria arte impõe limites nos artistas. "Se você desenhar uma girafa, você deve desenhá-la com um pescoço longo. Se você, de sua maneira criativa e ousada, se livrar de desenhar uma girafa com um pescoço curto, você realmente descobrirá que não é livre para desenhar uma girafa. No momento em que você entra no mundo dos fatos, você entra num mundo de limites. Você pode libertar coisas de leis estranhas ou acidentais, mas não das leis de sua própria natureza. Você pode, se quiser, libertar um tigre de seus grades; mas não o liberte das suas listras. Não libere um camelo do fardo de sua corcunda: você pode estar liberando-o de um camelo.

Friedman: Deixando a arte de lado. Nós estamos aqui para discutir o sistema que desekamos. Acho que nós dois concordamos que não se estabelecer leis que suprimam a liberdade artística. A natureza da expressão artística é um tópico completamente diferente.

Chesterton: Arte, assim como a moral, consite em estabelecer a linha (o limite) em algum lugar.

Friedman: Moralidade é uma coisa individual não é uma coisa coletiva.

Chesterton: Mas o coletivo é determinado pela moral.

Friedman: Não entendi bem o que você quer dizer:

Chesterton: É o que senti depois de ler Robinson Crusoé. As árvores e os planetas pareciam coisas salvas do naufrágio ... Eu me senti econômico sobre as estrelas como se fossem safiras. Pois o universo é uma joia única. Este cosmos é de fato sem par e sem preço justamente porque não pode haver outro.

Friedman: Você tem uma concepção particular do universo. É uma teoria particular que não a mesma da coletividade.

Chesterton: Os indivíduos são mantidos por um universo. Existe claramente uma ordem para o universo. Se tal ordem de coisas não existisse, dificilmente seria um universo, mas um verso múltiplo. Abandonar esta ordem seria desobedecer a ordem. A ordem na criação só pode vir de um criador. Você não acha que devemos seguir seu pedido? Se o autor da existência deu uma ordem? Quando eu era jovem, o mais que eu pensava em Crusoé mais eu sentia que nós devíamos obediência àquele que nos. E, por último, e mais estranho, surgiu uma impressão vaga e vasta de que, de certo modo, tudo bem havia um remanescente para ser guardado e sagrado de alguma ruína primordial. O homem salvou seus bens assim como Crusoé salvou seus bens: ele os salvou de um naufrágio.